sábado, 26 de março de 2011

A ANÁGUA COR-DE-ROSA




Norberto adorava jogar futebol, e dizem que essa paixão surgiu antes de nascer, pois a mãe sentia seus chutes ainda no ventre. O pai, entusiasta do esporte bretão, vivia dizendo a cada pontapé dos quais a pobre esposa grávida se queixava que "esse moleque vai ser um craque!"
Norberto nasceu, cresceu, e a cada Natal ou aniversário o presente tinha que ser uma bola ou item de futebol. Trocava de bola todo ano, dormia com a bola, fazia suas refeições com a bola, tomava banho com a bola, como se a bola fosse um organismo do corpo de Norberto. No colégio só queria saber de jogar futebol, e por causa disso a maioria de suas notas também era do formato de uma bola.
Mas Norberto não ligava. Claro que queria ser jogador. O pai o colocara numa dessas escolinhas de futebol treinada por ex-jogadores que insistem em passar o resto da vida em contato com os gramados, de uma forma ou de outra. Sabe essas escolinhas onde os pais colocam os filhos achando que o moleque vai sair de lá como craque? Nem lhe passam pela cabeça que é preciso nascer com o dom, como Norberto, que fazia uma média de 5 gols a cada treino na escolinha.
Adolescente, Norberto bem que tentou. Fez testes no Bonsucesso, no São Cristóvão, foi para Campos para também treinar no Americano. Viajou até para o interior de São Paulo para tentar a sorte no XV de Piracicaba. A intenção era começar a carreira num clube pequeno para depois passar para um grande. Passou em todos esses testes, mas ficou queimado pelos responsáveis por todas as peneiras em que passou, pois era indisciplinado, não conseguia trabalhar em grupo com os colegas, não seguia as instruções dos técnicos. O seu recorde pessoal foi de três meses na Portuguesa Santista, mas aí se descobriu outro defeito que lhe estragava a vocação para boleiro: odiava as concentrações e vivia fugindo delas.
O futebol perdeu um craque, mas o Banco do Brasil ganhou um funcionário. Vendo que sua carreira de jogador escorria pelos dedos como água, tentou um concurso no Banco do Brasil e passou, em último lugar, diga-se de passagem. Era adorado pelo gerente de sua agência pelo futebol magnífico que deixava correr pelos gramados dos campeonatos dos bancários. O Banco era sempre campeão graças aos gols e jogadas de Norberto. Mas teve um período de má fase na ocasião do campeonato do ano em que comemorava quatro anos de Banco.
Como não jogava sem uma cueca boxer por baixo do calção, um dia, por falta de uma roupa de baixo limpa, resolveu pegar a cinta-anágua da mãe, lisa, leve, exatamente da cor da pele e do tamanho ideal. Usando-a por baixo, não tinham como descobrir, e a peça ficou perfeita como luva em Norberto. Nesse mesmo dia sua má fase acabou e arrasou com o adversário, marcando três gols e fazendo as jogadas para os outros dois. Supersticioso, atribuiu o fim da má fase à roupa de baixo da mãe - que depois perguntaria "onde foi parar minha cinta?" - e terminou o restante do campeonato jogando com a peça feminina por baixo do calção, levantando a taça, se tornando o artilheiro e o craque do torneio, com direito a um troféu "Chuteira de Ouro" e aparição no "Bola Cheia" do Fantástico.
Mas ai de Norberto se os colegas de equipe descobrissem aquela cinta feminina por baixo do calção. Claro que tinha medo que duvidassem de sua masculinidade ao ver a peça, que tanto lhe dera sorte, ao tirar o uniforme no vestiário. Tomava todas as precauções possíveis e impossíveis, nem passando pelo vestiário para tomar banho após os jogos, indo embora com o uniforme de campo mesmo.
Só que um dia ficou mais meia hora depois de um jogo para se aprimorar na cobrança de faltas, como Zico fazia no Flamengo. Ela apenas ele, a bola e a trave e aparentemente todos tinham ido embora. Nesse dia resolveu tomar um banho antes de ir pra casa, e se achando completamente sozinho no vestiário, tirou o calção e ficou só de cinta, enquanto pegava a toalha e a saboneteira para se dirigir ao chuveiro e dá de cara com a porta de um reservado para vaso sanitário se abrindo abruptamente. Era o grande amigo Valtinho, que estava com problemas intestinais justamente naquele dia. Ambas as faces se olhando arregaladamente numa mútua surpresa e decepção: de Norberto por uma pessoa ter descoberto o que costumava usar debaixo do calção - de Valtinho, por passar a duvidar da masculinidade de Norberto, que sentiu a necessidade de dar uma explicação. Valtinho, ainda atônito, esperou Norberto se arrumar e foram pra casa juntos. No ônibus Norberto explicara tudo para Valtinho, que acabou entendendo a superstição do amigo. Até riram muito depois.
Muitos jogos, muitos gols e muitas boas atuações e mais uma vez o Banco do Brasil se sagrava campeão graças ao futebol e - vai saber - o amuleto feminino de Norberto, que insistia em usar. Mas eis que no campeonato do ano, em que Norberto mais uma vez se destacou, o craque e artilheiro não fora mais ele, mas sim o amigo Valtinho, cabeça de área razoável, que arrebentara em todos os jogos e substituiu o futebol feijão-com-arroz pelo caviar com champagne, superando então o amigo, ganhando os mesmos troféus que Norberto estava acostumado a levantar. Todos ficaram surpresos com a performance de Valtinho, que até então só se destacava pelas roubadas de bola aos adversários. "Que houve, Valtinho? Andou tendo aulas com o Ronaldinho?" indagavam os colegas. Com um sorriso vitorioso e maroto, ele confirmava que sim, de brincadeira.
Mas o mais desconfiado na história fora o amigo Norberto. "Como é que esse cara de repente passa a tratar a bola com tanta intimidade...?" Mistério total. Menos para Valtinho e sua "cúmplice".
Chegando em casa, após a comemoração numa churrascaria de mais um campeonato conquistado pelo banco, Valtinho se despe, sapatos, camisa, calça, e tirando a última peça, entrega à esposa: "Carol, põe de molho porque no ano que vem tem mais."
E Carol coloca uma cinta-anágua cor lilás de molho no sabão.

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