terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mendonça - Nem todo craque nasce para ser campeão


Nas grandes injustiças do futebol, desde que o paulista Charles Miller introduziu o esporte em nossas terras, consta o fato de verdadeiros pernas-de-pau terem se sagrado campeões mundiais pela Seleção Brasileira. Porém, existe outra injustiça dentro do futebol: o fato de craques consagradíssimos que jamais tiveram o triunfo de ter ajudado a erguer sequer uma taça de campeão estadual.
É o caso de Milton da Cunha Mendonça, mais conhecido como Mendonça, meio-de-campo de estilo clássico, que encantou os gramados brasileiros nas décadas de 70/80 envergando a camisa do Botafogo de Futebol e Regatas.


Mendonça, nascido no Rio de Janeiro, em 23 de maio de 1956, era o craque certo nas décadas erradas para o alvinegro carioca. Filho de um ex-zagueiro do Bangu, também conhecido como Mendonça, era a verdadeira estrela solitária de um clube que vivia seu mais longo jejum de títulos, que foi de 1969 a 1987, pois de 1975 a 1982, como profissional, ele defendeu com seus pés e seu coração o Glorioso, que nessa época não tinha do que se vangloriar pois só dava o Flamengo de Zico, Júnior e cia.
Mendonça tinha um pouco de Heleno de Freitas, não pela rebeldia, pois era tímido, fechado e disciplinado, mas pela classe e perfeição com que executava todos os fundamentos do futebol no clube de coração no qual jamais foi campeão, assim como Heleno. Mendonça causava pânico aos adversários na hora de cobrar uma falta... lembro perfeitamente como eu me sentia nessa hora quando estava na torcida do Flamengo, rezando para ele errar... mas na maioria das vezes as minhas orações não eram atendidas. Mendonça cabeceava e lançava com perfeição, chutava com confiança e exímia pontaria, e apesar de ter sido um mestre do drible, só o fazia - e muito bem - na hora exata. Foi jogando um futebol desta categoria que Mendonça chegou aos 118 gols em 342 partidas pelo Botafogo, sagrando-se o 14º maior artilheiro do clube em toda sua história, e seu maior artilheiro na fase "Marechal Hermes". Enquanto as torcidas rubro-negra, tricolor e cruzmaltina humilhavam os alvinegros nas arquibancadas do Maracanã cantando "É todo dia, é todo ano, botafoguense vai virar corintiano" - pois o Timão também amargou mais de 20 anos sem título - Mendonça respondia nos campos com seus gols e futebol magistral, inconformando-se desta forma com a afronta à sua torcida.




Em 1981 o título chegou perto quando o Botafogo esteve nas finais do Campeonato Brasileiro. O Fogão havia eliminado o timaço do Flamengo (que fora campeão mundial nesse ano) ganhando de 3 a 1, muito graças a Mendonça, que fizera dois gols - um deles, o mais marcante em sua carreira, após um drible que deixou sem pai nem mãe logo quem? Júnior, titular absoluto da lateral-esquerda da Seleção Brasileira - e dando o passe para Jérson (com J mesmo) fazer o dele.
Este foi o gol, posteriormente chamado de "Gol Baila Comigo) mais significativo de toda sua carreira, merecendo até uma placa comemorativa no Maracanã, a qual foi retirada do estádio tempos depois, inexplicavelmente.
Mas o sonho acabou quando o Botafogo enfrentou o São Paulo no Morumbi. O tricolor paulista ganhou de virada com o placar de 3 x 2 e tirou o Fogão do Campeonato, mas o campeão acabou sendo o Grêmio porto-alegrense.
A torcida tinha uma relação de amor e ódio com Mendonça... amor, pois ele era jogador e torcedor declarado do Fogão, e ódio, pelo fato da responsabilidade do fracasso de títulos sempre cair injustamente nas costas da estrela solitária da companhia, que sempre lutou como um guerreiro, muitas vezes sozinho, para reverter as situações desfavoráveis dentro das quatro linhas.
Desgastado e desgostoso no alvinegro, Mendonça saiu em 1983 contratado pela Portuguesa de Desportos. Mas, nos clubes seguintes, como Palmeiras, Santos, Al Saad (Catar), Grêmio (RS), Internacional de Limeira (SP), São Bento (SP) e Bangu, (clube no qual iniciou e encerrou a carreira em 1990), o craque também não sentiu o prazer de ganhar um título sequer.
Talvez, no ano anterior à sua aposentadoria, quando contava com 33 anos de idade, Mendonça poderia ter sido o maestro alvinegro no ano em que o clube quebrou o jejum de 21 anos sem título. Certamente o craque teria preferido unicamente ser campeão de 1989 pelo Botafogo, ajudando seu clube de coração a levantar o lendário título. Teria valido por todos que ele não conseguiu vencer em toda sua carreira. Ainda assim, Mendonça já está na história do Botafogo Futebol e Regatas como um ídolo inesquecível.
Além da falta de títulos, curiosamente seu nome também não foi lembrado pelos técnicos das seleções brasileiras na época em que ele estava no auge de sua forma física e técnica, e essa é outra injustiça imperdoável feita ao grande meia-armador. Imaginem como teria sido fantástico vê-lo dividir o campo no mesmo time em que jogassem craques contemporâneos do quilate de Sócrates, Zico e Falcão.
Em fevereiro de 2008, uma homenagem a Mendonça foi feita ao imortalizar seus pés na "Calçada da Fama" do Maracanã. Em agosto do mesmo ano o Botafogo lançou uma camisa retrô, também em sua homenagem. Pode ter servido para amenizar um pouco a falta de títulos de uma carreira brilhante no futebol brasileiro.


No dia 5 de julho de 2019, Mendonça faleceu após dois meses de internação em estado grave da CTI do Hospital Albert Schweitzer. Uma queda na estação de trem Guilherme da Silveira, em Bangu, agravou seu estado, por conta de uma infecção no fígado e nos rins. O ex-jogador teve problemas com alcoolismo nos últimos anos de vida.
O ex-jogador do Flamengo Adílio, contemporâneo de Mendonça no futebol carioca, também camisa 8, ainda tentou ajudá-lo internando-o o ex-adversário, mas amigo, na Clínica Jorge Jaber. Infelizmente, o humano esforço de Adílio não foi o suficiente para a recuperação total do grande maestro do Botafogo. Restou a todos, torcedores e adversários, as lembranças de seu futebol de altíssima categoria.

"Sou botafoguense. Não tem como eu não ser... não tem como!"

5 comentários:

  1. Eu desconhecia o fato dele não ter sido campeão mesmo fora do Botafogo, que pena, que injustiça com tamanho talento. A imagem dele e seus cabelos encaracolados sempre esteve viva em minha memória, bacana ler mais sobre Mendonça aqui, escrito por um cara que torce por cores completamente diferentes das do alvinegro glorioso.

    Muito generoso, meu querido.
    Beijo!

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  2. Paulo César de Messias16 de dezembro de 2011 às 16:34

    gostaria de demonstrar minha indignação sobre a retirada da placa que foi colocada no maracanã!! será que foi o júnior que influenciou a retirada da placa?

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  3. Caro Paulo, gostaria de acreditar que não teve o dedo do Júnior em mais uma injustiça relativa ao Mendonça. Apesar de ser difícil termos essa certeza, Júnior me parece um sujeito de atitudes sensatas. O fato de, na carreira, nunca ter sido campeão e ter sido esquecido pelos técnicos das seleções brasileiras da época, deixaria qualquer um revoltado, concorda? Mas não a um jogador como o grande Mendonça. Forte abraço e obrigado por acompanhar o meu blog!

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  4. Mendonça foi o maior jogador do Botafogo a partir da segunda metade da década de setenta.

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