domingo, 22 de janeiro de 2012

29 ANOS SEM MANÉ GARRINCHA - 20 DE JANEIRO DE 2012





Achei um absurdo a grande mídia não ter lembrado no dia 20 de janeiro, Dia de São Sebastião, padroeiro de diversas cidades no Brasil, entre elas o Rio de Janeiro, da data de 29 anos sem Mané Garrincha. Procurei nos sites, no Google, nos canais de Tv a cabo e aberta e acabei vendo apenas um post no Facebook do meu amigo jornalista, de Petrópolis, Roberto Márcio, vascaíno de coração, lembrando e homenageando esse jogador que deu tantas alegrias a todos os brasileiros, de todos os clubes e também torcedores de todos os países, com uma foto do craque e um poema de Carlos Drummond de Andrade. Mas consegui localizar belas homenagens de torcedores fiéis ao clube e a quem o defendeu com amor, que faço questão de mencionar aqui:

http://www.canalbotafogo.com/forum/topico.php?id=44944

http://blogs.spfc.net/igor-fabuloso/9531

http://www.fogaonet.com/noticia.asp?n=24076&t=video+29+anos+sem+garrincha+o+maior+de+todos+os+tempos

http://sbnoticias.com.br/sbesporte/?p=1072

http://www.mundoglorioso.com.br/

http://www.omelhordefortaleza.net/index.php/category/o-melhor-de-fortaleza/

http://webbgol.blogspot.com/2012/01/mane.html

http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/01/mane-e-o-sonho.html

http://www.vidanovafm.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=4065&Itemid=22

Procurei incessantemente... e nada nos grandes veículos de comunicação brasileiros. Nem mesmo o Botafogo, clube no qual Garrincha está tão ligado quanto a própria estrela solitária em seu escudo, manifestou uma linha de pesar. Amigos de verdade se provam nos momentos de dor e de amor. E olha que o Botafogo é um clube-exemplo em homenagear seus craques!
Talvez se Drummond ainda estivesse vivo, quem sabe eu veria uma notinha de pesar vinda do grande poeta...

Deixo aqui minha humilde homenagem postando a entrevista que fiz no além com o Anjo das Pernas Tortas. E que Deus o mantenha num bom lugar.
Quantas saudades, Mané...

-------------------------------------------------------------------------------------------------

Hoje estive com Mané Garrincha. Mané foi de uma simplicidade tão grande comigo, que jamais pensei que aquele gênio do futebol já estivesse sentado numa mesa me esperando, num bar onde marcamos, que tinha aqueles azulejos azuis e brancos, o chão de mosaico. Mané já estava tomando sua pinga quando cheguei perto dele, me apresentei já apertando sua mão. Eu levei pra ele de presente um embrulho com quase um quilo de mariola, que ele sempre adorou. Mané, de bermudas e chinelos, sorriu e foi logo me oferecendo a mesma bebida, que recusei educadamente. Pedi um refrigerante e me sentei à sua frente, emocionado por tê-lo ali. Éramos dois bons amigos e não era uma entrevista e sim uma conversa informal.


- Garrincha, você jamais curtiu falar de futebol, né? Você preferia jogar, viver o futebol, verdade?
- É mesmo. Sempre tive vergonha desse negócio de ser famoso, porque futebol para mim era bola no meu pé. Quando eu estava em Pau Grande (distrito de Magé-RJ, onde ele nasceu), antes dos clássicos, até provocava algum amigo que fosse flamenguista dizendo "domingo vou acabar com seu time", mas quando ele devolvia a provocação parava por ali mesmo. Então, pra mim, o futebol só existia se eu estivesse dentro das quatro linhas, fosse numa pelada ou num jogo de Copa do Mundo.


- Falando em Copa, em 1950 você lembra que enfrentamos os Uruguaios no jogo final e perdemos no Maracanã, não lembra?
- Lembro sim. Só não me lembrei de ouvir o jogo na época. Era um domingo e eu adorava caçar, pescar, e nesse dia fui pescar. A fábrica tinha colocado uns alto-falantes na praça principal e o povo todo sentado pra ouvir (ergue os olhos como se buscasse as lembranças no céu)... quando voltei da pesca, Pau Grande toda tava chorando, e eu perguntei por quê, e me disseram que o Brasil tinha perdido pro Uruguai. Não dei muita bola e fui pra casa. Eu tinha dezesseis anos de idade.


- Puxa, Mané! Então você foi um dos 18 no Brasil que nem acompanhou esse jogo naquele dia!!!
- É, gente boa, como te falei, futebol só existia pra mim quando eu estava dentro das quatro linhas, de preferência quando a bola estava no meu pé. Meu pai, Amaro, é que gostava de ouvir jogo pelo rádio. Quando comecei a excursionar pelo Botafogo ou pela Seleção trazia sempre um rádio novo pra ele. Ele escutava os meus jogos e quando ouvia o locutor dizer que os zagueiros estavam me dando pontapé ele pegava o punhal e furava o rádio de raiva, ou então quase jogava o rádio no chão, por causa disso que toda viagem que eu fazia tinha que trazer um novo para ele (risos).

- Você torcia pro Flamengo?
- Torcia sim, por causa daquele time que foi campeão em 1939, com Zizinho, Leônidas da Silva, Domingos da Guia... mas dizia que era Flamengo por que todo mundo tinha um time e eu escolhi o Flamengo, mas nunca fui moleque de colecionar figurinha, foto de jogador, mesmo porque em Pau Grande, no meu tempo isso nem existia. Mas quando me perguntavam eu respondia que eu era Flamengo sim.


- O curioso, Garrincha, é que o Flamengo foi o time que você mais derrrotou quando jogava no Botafogo, né?
- É, mas era coincidência ou sorte, porque na verdade eu não ligava muito pra quem a gente fosse enfrentar, se era o Flamengo, o Vasco ou a seleção uruguaia. Não que eu desmerecesse algum time, mas eu queria era jogar. Naquele jogo contra a União Soviética, em 1958, quando estreei na Copa, eu tava era com fome de bola, eu não estava preocupado com aquela onda toda de "futebol científico", queria era jogar. Foi o primeiro jogo do Pelé em Copa do Mundo também.


- Que aconteceu em 1966?
- Ah, eu já não tinha mais o pique de antes, o joelho começava a doer bastante e eu já sentia que era minha última participação em Copas, mesmo porque eu já estaria com 37 anos em 1970 e o Jairzinho, que também esteve em 1966, jovem, estava matando a pau. Consegui fazer aquele gol contra a Bulgária, de falta - Pelé fez o outro na vitória de 2 a 0 - e até acho que tive uma boa participação no jogo, mas eu não era mais o Garrincha de 1962 no Chile. Mas seu Feola fez questão que eu fosse e eu não diria não.


- Você acha que a bebida estava começando a te prejudicar na época?
- Sempre gostei do meu limãozinho, gente boa, pra mim ele sempre me fez bem, uma pinga. Mas o atleta de verdade, como era o Pelé, não bebia nem fumava e eu nunca me considerei assim um atleta, eu era mais um peladeiro mesmo, sabia que era minha profissão, era pago pra entrar em campo, mas tentava esquecer isso e pensava que estava mesmo era num campo de terra, jogando descalço em Pau Grande. Mas eu bebia porque gostava, fumava também, e não digo que era viciado, apenas prazeres simples da vida dos quais não queria me privar. Se me impedissem de beber para ser jogador profissional, eu preferiria jogar minhas peladas em Pau Grande e continuar a ser funcionário da fábrica de tecidos.


- E as mulheres da sua vida, Garrincha? Você teve muitas, não?
- Tive sim, eu sempre gostei muito de sexo com as mulheres e transar era outro grande prazer que eu tive na vida. Depois que fiquei famoso então chovia mulher na minha horta, era a época das vedetes e eu não era bobo de dispensar, tanto que até em véspera de jogo de Copa do Mundo eu transei, mas em campo eu fazia minha obrigação, o que prova que sexo faz muito bem à saúde, e a falta dele é que é prejudicial. Depois que conheci a "Crioula" (modo com que Garrincha chamava a cantora Elza Soares) é que descobri o prazer e o amor com uma mulher apenas. Sinto muitas saudades dela.


- E ela de você, Garrincha, pode estar certo.
- Rapaz, eu errei muito depois que nosso filho nasceu....
- Talvez você tivesse vivo até hoje se tivesse deixado ela cuidar de você...
- Certo, mas aí eu tive uns problemas graves por causa da bebida e tinham que ter umas onze Elzas me marcando em campo naquela época.


- Falando em marcação em campo, não dá pra deixar de citar seu grande amigo Nílton Santos, que foi seu primeiro marcador oficial.
- Nílton era um grande amigo, meu compadre, meu irmão. Foi padrinho da minha filha de tão ligados que éramos. Ele sim, era um exemplo de atleta, não brincava em serviço, se resguardava e por isso foi eleito em 1998 o lateral-esquerdo do século. Apesar dessas nossas diferenças de personalidade, Nílton foi meu melhor amigo no futebol.


- Conte um pouco sobre o primeiro treino seu no Botafogo, quando você jogou contra ele.
- Olha, como eu não acompanhava direito futebol nem pelos jornais, pois nunca fui muito chegado a ler, nem sabia que estava jogando contra um craque de Seleção. Sei que joguei como se eu estivesse numa pelada em Pau Grande. Não estava nervoso, não estava nem aí se estavam me observando ou não, eu sei que atendi a um pedido de um dirigente do Botafogo que me viu jogando pelada em Pau Grande. Nílton chegou na primeira bola muito confiante e eu o driblei. Nas próximas ele foi mais duro, mas posso te garantir que não dei nenhum baile nele como falaram bastante pela imprensa, apenas o enfrentei de igual para igual. Fizeram muita onda porque eu era um menino da roça e ele era um jogador de Seleção. No final do treino ouviram o parecer dele que dizia pra me contratarem logo, que "era melhor ele conosco do que contra nós" aí o resto é história.


- Você teve outros marcadores, cujos duelos foram memoráveis.
- Tinha o Altair - Olívia Palito - do Fluminense, que apelava às vezes, Coronel, do Vasco, que também não era mole, batia que não era brincadeira, sem contar a cobertura com Bellini e Orlando Peçanha e diversos jogadores de outros times. Mas Jordan, do Flamengo, foi meu marcador mais leal, pois era mais técnico e preferia ir na bola do que nas minhas pernas. Jordan era forte pra burro, mas jogava na bola. Ficamos amigos.


- Além de Nílton Santos, quais eram seus outros amigos mais chegados?
- Fora a turma de Pau Grande, que conhecia todo mundo e todo mundo era amigo, no futebol o Didi, que eu só chamava de "Crioulo" e Nílton, mais velhos e mais experientes que eu, eram grandes amigos, sempre me dando conselhos, mas não ouvia nenhum (risos), o Sandro (Moreira, jornalista) sempre me tirando dos porres (mais risadas), Neivaldo que era meu reserva, Vavá, e tanta gente que é até injustiça ficar falando nomes porque graças a Deus sempre tive ótimo ambiente nos clubes e na Seleção e fiz amigos demais.


- Você chegou a ver seu filme biográfico "Estrela Solitária" com o André Gonçalves fazendo o seu papel?
- Vi sim, mas podia ter mostrado mais meu lado de jogador do que de pinguço, meu lado de pai, pois eu adorava minhas filhas, e só quiseram mostrar o Garrincha que gostava de cachaça e de mulher. A maioria do filme era verdade, mas pra mostrar minha biografia mesmo poderiam fazer mais uns dois filmes de continuação e se fixar mais na minha carreira e na contribuição que dei pro futebol do Brasil.


- Depois que você largou de vez a carreira, quem você acha que poderia ter sido seu sucessor?
- Olha, infelizmente o futebol perdeu um pouco da magia do drible, que era mais espetacular do que o próprio gol. Pra ser sincero eu preferia driblar do que fazer gol, mas como a única maneira de ganhar os jogos era colocando a bola na rede, de vez em quando fazia meus golzinhos. Nos anos oitenta, pouco antes de'u morrer, tinha aquele ponta-esquerda do Flamengo, o Júlio César "Uri Geller", que apelidaram de "entortador", que teve uma carreira curta, coitado, acho que quebraram ele muito cedo. O Renato Gaúcho era um ponta muito habilidoso, driblava bem, o Denílson, que jogou no São Paulo, Palmeiras e jogou na Espanha também é um ponta driblador, pela esquerda. Mas o futebol perdeu sua magia, seu espetáculo circense que fazia a galera delirar. Provavelmente, que mais se assemelhou ao meu estilo talvez fosse o Júlio César do Flamengo mesmo. Driblava até a alma dos zagueiros. Hoje em dia um jogador no estilo de antigamente talvez seja o Robinho, que tem um drible mortal, mas não se fixa numa área determinada do campo.


- Você tinha um técnico com quem teve preferência por trabalhar?
- Tive vários técnicos na minha carreira. O primeiro foi Seu Gentil Cardoso, meio difícil de se conviver, quase todos eles na época eram. Seu Zezé (Zezé Moreira) era uma mãe. Já Seu Saldanha era nervoso, mas não complicava com esquemas táticos, deixava a gente jogar como sabia. Na Seleção foram Seu Feola, Aimoré Moreira, os dois muito legais, todos esses respeitavam muito a gente. O problema é que todos faziam suas preleções longas antes dos jogos, Gentil então adorava, Saldanha era mais prático, mas na hora que eles falavam ou eu ficava de brincadeira com alguém ou eu nem ligava, às vezes até cochilava.


- Ficaram famosas as suas fugas das concentrações, hein Garrincha?
- O que acontecia na época é que a gente não tinha a diversão de hoje em dia nas concentrações. Alguns gostavam de ler, outros de jogar baralho apostando a dinheiro, eu não curtia nada disso, então o jeito era driblar a vigilância - nisso eu também era mestre e tinha minhas táticas - e ir pra rua namorar, que era uma das coisas que eu mais gostava, além de caçar, pescar e jogar pelada. Como nas concentrações não dava pra fazer essas três últimas (risos)...


- Existem várias histórias a seu respeito que viraram lenda, como você gostava de brincar com seus colegas. Tem alguma história verdadeira para contar?
- O Manga era um dos meus preferidos pra brincar, justamente porque ele tinha aquela cara fechada, mal-humorada. Num país desses da Europa ele comprou um rádio e como dividíamos o quarto ele entrou, me mostrou o aparelho, aí falei pra ele que esse rádio, mesmo no Brasil, só iria pegar estações da língua do país que ele nem falava, mesmo a nossa língua ele mal sabia direito (risos). Então eu disse que dava a metade do valor que ele comprou. Ele me vendeu na hora e depois ficou tirando onda com nossos outros colegas que tinha me passado a perna (risos gerais).

- Agora, conta pra gente, Garrincha: qual era o seu segredo ao driblar?
Garrincha para... olha pro infinito, fica alguns segundos calado, toma mais uma pinga de um gole só e responde:
- Rapaz, sinceramente, não tinha segredo não. Ficavam dizendo que meu único drible era aquele de jogar a bola pra direita num corte e passar pelo lateral, mas às vezes eu corria que nem um cavalo e de repente só eu sabia quando parava, pisava na bola dando um freio e o lateral seguia a corrida ou caía, e me deixava livre pra passar por ele. No drible parado eu esperava que ele desse "o bote" quando o duelo era "mano a mano" e quando ele ficava apoiado só pela perna de apoio eu aproveitava a deixa pra botar a bola debaixo das pernas dele ou mesmo fazer o tradicional corte pela direita. Era preciso um pouco de paciência para esperar o zagueiro vacilar, eu tinha essa paciência, e então só driblava no momento certo, quando ele ficava meio vulnerável. Se ele ficasse parado eu fingia que ia, não ia, o zagueiro acompanhava e quando ele estivesse no contrapé pra voltar à posição de marcação, nessa fração de segundo eu ia. Acho que conseguiram documentar muita coisa em filme e por ele você pode ter uma idéia.


- Garrincha, pra terminar, ficou alguma mágoa de alguém na vida?
Garrincha pára. Olha de novo pro alto e responde com a voz mansa de sempre, sem rancor:
- Olha, fiquei muito triste com os dirigentes que comandavam o Botafogo nos meus últimos anos no clube, que depois que estourei meus joelhos defendendo o alvi-negro, os mesmos que me venderam pro Corinthians. Mas depois passou, encerrei minha carreira e fui viver com a "Crioula" e os filhos dela. Eu sei que errei com muitos nessa vida, até com as minhas filhas, mas acho que quando fui pro andar de cima já tinha sido perdoado por elas e por essa gente. Fiquei feliz por ter dado tantas alegrias aos torcedores de todos os clubes, não só do Botafogo mas de todo Brasil. Acho que poderia ter vivido um pouco mais, mas pra ser sincero fui embora com a alma lavada, quando aquela gente toda estava chorando no meu enterro, e até hoje ainda sou lembrado como a "Alegria do Povo". Na verdade, o povo é que era a minha alegria.

Então, Garrincha se levantou, me deu um abraço e disse "até qualquer dia, gente boa" e se dirigiu lentamente e arrastando os chinelos em direção à pequena porta do bar. Levanto-me em seguida para acompanhar sua saída e quando saio da porta, já o perdi de vista. Só consigo ver depois um pequeno passarinho, que depois de dar sete ziguezagueadas no ar some em direção ao céu.
Depois dessa entrevista eu tive a certeza de que o futebol de Garrincha foi tão grande quanto a sua humildade...

2 comentários:

  1. Que papo é esse que ele era flamenguista? Que calúnia!!! Hahaha.

    Ficou incrível o tesxto... Essa entrevista, porque não me chamou? Eu teria ido junto contigo ao além, encontrar o Mané.

    Lindo, querido, lindo!
    Beijocas.

    ResponderExcluir
  2. Oi fofinha. Segundo a biografia "Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha", de Ruy Castro, nosso anjo torcia vagamente pelo Flamengo quando era criança, nem mesmo acompanhava as partidas pelo rádio. Mas saiba que foi o time em que ele fez mais gols!
    Ah, como eu queria você comigo nessa "entrevista".... hehehe! Valeu por ter gostado! Beijos!

    ResponderExcluir