quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Entrevista com o ex-Presidente da República Arthur da Costa e Silva (realizada em 2009 num outro plano espiritual)



Essa noite eu estive com o ex-Presidente da República Arthur da Costa e Silva. Eu estava esperando o velho marechal numa sala meio escura, paredes forradas de madeira, e tinha duas poltronas de couro marrom bem confortáveis para que sentássemos para a entrevista. Um clima bem brasiliense. Como eu tinha lido no livro "1968 - O ano que não terminou" ele tinha mesmo a cara de um tio. Marcamos às 23h e o "tio Arthur" chegou pontualmente, como manda o bom e antigo protocolo militar, com aquele bigode e os mesmos óculos de armação preta. Trajava terno e gravata escuros. Pareceu amigável, me deu boa noite, apertamos as mãos e nos sentamos. Regamos a entrevista com água mineral, chá e suco de maracujá. Ele parecia à vontade quando comecei minhas perguntas tocando logo na "ferida":



- Presidente - achei que ele gostaria de ser chamado assim - o senhor sabe que o AI-5 fez quarenta anos, não?
- Sim, filho, eu sei. Provavelmente você vai me fazer perguntas sobre ele com pitadas de críticas, não?


- Espero que o senhor esteja preparado. Para começar, o senhor não acha que o Ato Institucional nº 5 poderia ter sido chamado também de Ato Radical nº 5?
- Olha, rapaz.... (faz a primeira das inúmeras caras de insatisfação e dá uma pausa) Era preciso que o Brasil mudasse. Víamos que o Brasil estava com um povo pouco patriota, os estudantes não iam mais às aulas para estudar e sim para protestar contra tudo, o comunismo estava começando a se infiltrar no país através da figura de João Goulart e seus asseclas. Apesar de não ter gostado do seu trocadilho, precisávamos combater o radicalismo com radicalismo, então decidimos promulgar o ato. Eram passeatas, manifestações contrárias, violentas e ofensivas ao governo, tanta pressão por todos os lados, que não vi outra saída.


- Mas Presidente, o efeito causado pelo AI-5 só gerou mais violência. Grupos de guerrilha de esquerda foram formados, organizados e o senhor lembra das consequências, não?
- De fato. Mas precisávamos nos impor, além do mais duvidei que aqueles grupos de comunistas poderiam fazer frente à organização das forças armadas e forças auxiliares.


- Não era o caso de fazerem frente, mas muita gente morreu tragicamente e até hoje estão desaparecidos.
- Infelizmente alguns justos pagaram pelos pecadores, foi preciso ação radical do Estado para que fizéssemos com que o Brasil crescesse, a economia melhorou, e outros pontos. Houve expansão industrial e conseguimos controlar a inflação. O referido Ato Institucional não foi uma decisão isolada do Presidente da República. Me reuni com meus ministros militares, depois com Delfim Netto e Hélio Beltrão (respectivamente o ministro da Fazenda e o ministro do Planejamento), aos quais perguntei se o fechamento do Congresso criaria problemas de ordem econômico-financeira ou dificuldades internacionais. Os dois garantiram que nada havia a temer nessa área. Só quem se opôs foi meu vice-presidente Pedro Aleixo, no entanto fora voto vencido.


- O que o senhor achou da atitude extremamente violenta da polícia ao balear o estudante Édson Luís de Lima Souto no Calabouço?
- Até hoje usam o nome desse menino para alfinetar o meu governo, fizeram um enterro de mártir para ele. Claro que fiquei sentido com o episódio, era um garoto, mas foi uma bala perdida! Os policiais pensaram que os estudantes, que protestavam contra o aumento do preço da refeição e outras condições insatisfatórias, iriam depredar a Embaixada dos Estados Unidos no Rio, que fica perto de onde foi o restaurante, e invadiram esse local. Num gesto de desespero, e, reconheço, de despreparo, deram um tiro e atingiram o rapaz sem intenção.


- Bala perdida, Presidente? Um tiro à queima-roupa?
- Despreparo e desespero do atirador, sem dúvida, numa situação atípica.


- Também não havia necessidade daquela repressão durante a missa de sétimo dia....
- Na verdade tropas foram enviadas mais para garantir a ordem, não para reprimir. O tumulto começou por parte de uma meia-dúzia de estudantes, então se desencadeou, e como eram tropas a cavalo os animais se assustaram e ficou como rastilho de pólvora. Não queríamos que houvesse um tumulto na ocasião, mas a situação ficou fora do controle das autoridades.


- O discurso do deputado Márcio Moreira Alves que sugeria que a população não comemorasse o 7 de Setembro, foi o grande motivo para promulgar o AI-5?
- Esse deputado na verdade queria aparecer, ser a pedra no sapato do Governo. Tentei processá-lo pedindo licença à Câmara, pois é um ato de extrema subversão incitar o povo de uma nação a não comemorar o dia de sua independência. Como me foi negado, tive que chamar para si a responsabilidade de Chefe Maior da Nação ao outorgar o Ato Institucional nº 5, que entre as medidas estava a de colocar o Congresso em recesso por tempo indeterminado e conferir ao Presidente poderes mais amplos. Foi a solução que tive em mente para salvar o Brasil das más influências subversivas. Podem dizer que foi radical, precipitada, mas precisava salvar nosso país.


- As palavras do Deputado Márcio Moreira Alves em seu discurso na Câmara feriu tanto assim a honra dos militares que governavam o Brasil? Muitos acharam que isso foi apenas um pretexto.
- Meu filho, quem apela para que os pais não permitam aos seus filhos marcharem ao lado dos "carrascos que os agridem e os fuzilam nas ruas" - palavras dele - e propõe às moças que "não dancem com os cadetes no baile da Independência" está querendo arrumar confusão! É subversão merecedora de reprimenda! (pronuncia as duas frases com muita ênfase) O discurso foi reproduzido em milhares de cópias mimeografadas e distribuídas em todos os quartéis e guarnições para que todos tomassem ciência desse ultraje. 


- O que o senhor achou da formação da Frente Ampla (aliança entre Jango, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda contra o regime)?
- Simplesmente mais um ato isolado de subversivos que adoravam ver o Brasil bagunçado. Ainda assim ficamos esperando uma ação extremamente fora da lei dessas pessoas para que pudéssemos agir - não podem dizer que abusamos da autoridade por isso - o senhor Lacerda acusou em público o general Jaime Portela de haver usurpado o poder e de ser o verdadeiro chefe de Estado, em lugar de minha pessoa. Não podíamos admitir essa ofensa e lhe tiramos os direitos políticos.


- Até hoje a morte dos três principais líderes está muito mal explicada...
- Veja bem (faz uma longa pausa, me encarando o tempo todo com as sobrancelhas erguidas)... a esposa de JK acha que o acidente de carro que ele sofreu fatalmente em agosto de 1976 foi premeditado. No final do mesmo ano, meses depois, o Sr.Goulart morrera de enfarte devido ao fato de ter consumido alimento envenenado. No ano que se seguiu, trocaram os remédios no hospital onde o Sr.Carlos Lacerda estava internado. Sei muito bem o que você está querendo insinuar, rapaz! (fala com um tom mais enérgico e me encarando o tempo todo). Então esses três cidadãos morreram assassinados pelos militares? (Costa e Silva se altera, aumentando o tom de voz)


- Houveram especulações quanto a essa hipótese.
- Especulações não são dados concretos, meu filho!!
- Bem, Presidente, presumo que o senhor está dando pontos finais a essa questão.
- Perfeitamente!


- Passemos adiante... quais foram os pontos positivos do seu Governo, Presidente?
- Poderíamos passar uma eternidade para escrevê-los, rapaz... (pronuncia a frase já com um certo enfado na voz)


- O senhor está com pressa?
- De forma alguma. Tenho toda a eternidade para isso. Mas quanto a você, que é jovem, tem uma vida inteira pela frente, não? Ainda entrevistará muita gente por aqui.
- Creio que sim, Presidente. 
- Você acha que estamos no céu ou no inferno? (pergunta, quase esboçando um sorriso)
- Essa pergunta me parece mais um julgamento. Acho que estamos em campo neutro (preferi ser cuidadoso). 


- E você tem mais alguma pergunta, filho?
- Estamos chegando ao fim, excelência. Em 1970 o Presidente Médici se aproveitou do sucesso da seleção brasileira tricampeã no México para mostrar o crescimento do Brasil. Não lhe ocorreria fazer o mesmo em época de Copa do Mundo?
- Fui empossado Presidente da República em março de 1967, em 1966, ano da Copa do Mundo de futebol na Inglaterra, o Presidente era o General Castelo Branco. Na minha opinião não se deveria misturar as coisas, mas logicamente quaisquer atletas que fossem representar nosso país na Inglaterra em 1966 ou em qualquer outro país ou evento esportivo oficial teriam total apoio do meu governo. É claro que, como chefe maior da Nação eu enalteceria o feito daqueles bravos rapazes, mas você empregou muito mal o termo "se aproveitou".


- Foi o senhor que sugeriu que seu sucessor seria Médici?
- Sim. Eu estava no Palácio das Laranjeiras em agosto de 1969, extremamente debilitado, quando o Ministro da Marinha, o Almirante Augusto Rademaker, me visitou expondo uma lista com três generais do Exército sugeridos para me suceder e escolhi Emílio Garrastazu Médici.


- Dos cinco presidentes militares, três deles eram gaúchos. Como o senhor, natural de Taquari, vê a importância do Rio Grande do Sul nesse aspecto?
- O gaúcho sempre foi muito patriota, muito tradicional, cultivador de suas raízes e fiel a elas, muito participativo nas questões governamentais, em defesa de seus latifúndios, na luta pelos seus direitos, movimentos de liderança e sempre brigando por um estado melhor, sem contar que o Rio Grande não contribui apenas com pessoas, mas com elementos que fazem com que nossa economia esteja acima das dos demais países sul-americanos. Fiquei feliz em saber que transformaram minha casa no Museu Costa e Silva.


- Como o senhor vê o Governo Lula?
- Concordo quando ele diz que o brasileiro tem que acreditar em si mesmo e no país. Mas é pura teoria, esse moço fala muito bem mas não faz e nem sabe de nada. Não concordei com as prerrogativas do "Fome Zero". O país está com esse câncer da corrupção que não existia nos governos cujos presidentes foram militares - Castelo Branco, eu, Médici, Geisel e Figueiredo, e creio que a maioria do povo gostaria de ver novamente os militares no poder para terminar de vez com o tráfico, os crimes atrozes e outras barbaridades que têm por aí, como a corrupção e o desemprego. O Brasil não está preparado para o Socialismo, nem para o Comunismo, nem para ser governado por um homem cujas raízes políticas cresceram a partir das teorias esquerdistas. 


- Presidente, pergunta final: como foi sua morte?
- Faleci no Rio de Janeiro, em 17 de dezembro de 1969, em consequência de uma trombose cerebral.

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